Mitos
Pessoas com autismo não têm sucesso escolar e profissional?
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Pessoas com autismo não têm sucesso escolar e profissional?

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É comum acreditar-se que as pessoas com autismo não conseguem ter sucesso escolar ou arranjar um emprego. Isto deriva, muitas vezes, da crença de que todas as pessoas com perturbações do espetro do autismo (PEA) estão dependentes de terceiros em todas as suas necessidades diárias. Mas será mesmo assim?

É verdade que as pessoas com autismo não têm sucesso escolar e profissional?

Em esclarecimentos ao Viral, Micaela Guardiano, coordenadora da Unidade de Pediatria – Neurodesenvolvimento do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ), adianta que “não é verdade que as pessoas com autismo não possam ser pessoas muito úteis do ponto de vista social e profissional, e mesmo do ponto de vista familiar”.

A médica saliente, inclusive, que “muitos adultos só têm o seu diagnóstico numa fase já avançada da vida, aos 30 ou 40 anos, e têm vidas funcionais, têm as suas famílias e os seus trabalhos”.

O mesmo ponto de vista é partilhado no site do Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla inglesa). Num texto, o NHS refere que, “como toda a gente, as pessoas autistas têm coisas em que são boas e outras em que têm dificuldades”.

Por isso, avança, “ser autista não significa que nunca poderá fazer amigos, ter relações ou arranjar um emprego, mas pode precisar de ajuda extra para estas coisas”.

Também importa referir que o autismo é um espetro. Por isso, todas as pessoas com PEA são diferentes.

Como já tinha explicado o psiquiatra Carlos Filipe, em declarações anteriores ao Viral, “as perturbações do espectro do autismo são perturbações do neurodesenvolvimento”, que “ocorrem durante o desenvolvimento pré-natal” (ver também aqui, aqui e aqui).

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As “alterações funcionais” específicas determinam “as alterações ao nível da coordenação motora, da integração das sensibilidades, da comunicação (quer no sentido da capacidade da comunicação, quer no entendimento) e da rigidez comportamental”, esclarecia à data.

Dentro deste quadro, existem três níveis. As pessoas de nível 1 “vão precisar de algum apoio, mas a expectativa é que se tornem em adultos integrados na sociedade, com o seu trabalho e com o seu contexto, sem grandes limitações”.

Por outro lado, salientava Carlos Filipe, pessoas com uma perturbação do espetro do autismo de nível 2 “têm alguma competência em termos de autonomia dia a dia, mas permanecem dependentes de terceiros em grande parte das suas atividades”.

Por fim, acrescentava, “o nível 3, que é o mais grave, abrange as pessoas que estão completamente dependentes de terceiros em todas as suas necessidades do dia a dia, como alimentação, higiene, segurança e saúde”.

Assim, dependendo do nível, as pessoas com autismo vão ter mais, ou menos, dificuldades de autonomia durante a vida. 

Pessoas com autismo de nível 1 vão enfrentar alguns desafios na “integração num grupo de pares, na compreensão de regras sociais e na capacidade de socializar de uma forma saudável”, frisa a pediatra do neurodesenvolvimento consultada pelo Viral.

No entanto, estas dificuldades, “muitas vezes, não as impede de ter sucesso escolar e de ter um emprego”.

Aliás, destaca, há pessoas com autismo “que até se podem destacar muitíssimo em algumas áreas profissionais por condições e capacidades que têm quase extraordinárias”.

Noutro plano, nas formas moderadas a graves, de facto, são pessoas, por vezes, “com muitas condicionantes para conseguirem ter uma profissão ativa em moldes normativos”.

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Isto porque, por norma, “têm muitos défices na sua capacidade de autonomia e terão sempre a sua vida muito mais condicionada”, conclui.

Importância do acompanhamento no sucesso escolar e no mercado de trabalho

Na perspetiva de Micaela Guardiano, o acompanhamento especializado é muito importante em pessoas com perturbações do espetro do autismo.

É essencial haver “um treino cognitivo-comportamental” que permite tratar “os défices associados ao autismo”.

Esta intervenção tem como objetivos treinar “competências sociais, a linguagem, a comunicação e a flexibilidade cognitiva”.

Do ponto de vista da especialista, “quanto mais competências estas crianças ganharem numa altura em que têm muita capacidade evolutiva, melhor o prognóstico”.

Noutro plano, a escola também tem um grande papel no bem-estar das crianças com autismo. No entanto, aponta Micaela Guardiano, devido à falta de recursos, ainda há um grande caminho a percorrer nesse sentido. 

“Mesmo quando se passa um diagnóstico, a escola tenta encaixar aquela criança numa caixa pré-formatada, ou seja, ela é que tem de se adaptar ao contexto existente e isso não é ser inclusivo”, defende.

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Além disso, no caso de PEA de nível 1, é frequente “haver alguma suspeita no diagnóstico”. 

Em formas ligeiras de autismo, “o que chama a atenção é um comportamento desajustado e, às vezes, a escola tem dificuldade em integrar isto numa perturbação do desenvolvimento, culpabilizando as famílias e as crianças pelo comportamento”, aponta a médica.

28 Jun 2024 - 08:30

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